Os filtros do Instagram estão afetando nossa percepção de autoimagem?


  • Criado por: Adriana Diniz
  • Postado em: 28/02/2022

Sabe aqueles momentos de família nos quais sentamos e contemplamos álbuns de fotos antigas, rindo e nos surpreendendo por ver como eram nossos avôs e avós nos tempos de juventude? Nós nos divertimos à beça comparando o antes e o depois dos velhinhos, reparando em como os rostos e os sorrisos ainda são os mesmos, com a diferença de algumas rugas e fios grisalhos. E certamente agradecemos pelo advento da fotografia.

Se antigamente o ato de tirar um retrato era um evento, hoje as fotos e registros imagéticos são mais que parte da nossa rotina. E, junto com eles, os famosos filtros do Instagram. Para os nossos futuros netos e netas, não faltarão materiais para que vejam com os próprios olhos como nós éramos com menos idade nas costas. Mas como explicaremos, entre esses tantos filtros e montagens, qual era a nossa face de fato?

Contudo não é preciso viajar para o futuro para problematizar essa questão. Embora qualquer espelho entregue qual é nossa verdadeira aparência física, tem sido notável que, entre stories despretensiosos e selfies com leves ajustes de traços e cores, o cotidiano instagramável está afetando nossa percepção de nós mesmos.

Transtorno dismórfico corporal (TDC)

Entre 1% e 2% da população mundial está um público que sofre com o transtorno dismórfico corporal (TDC), uma disfunção no processamento da informação visual de um indivíduo perante si mesmo. Isto é, um transtorno de autoimagem; a pessoa que tem TDC se enxerga de forma distorcida no espelho, a ponto de achar insuportável encarar o próprio reflexo e deixar de sair de casa por conta disso.

Como acontece com quase qualquer distúrbio mental, as causas para o TDC podem ser genéticas, neurológicas ou ambientais. Quanto a essa última, trata-se de traumas psicológicos e pressões sociais que podem agir como gatilho em quem já tem predisposição à doença. Entre as causas mais comuns estão o bullying e o abuso sexual, mas há também a chance de o distúrbio se desenvolver naqueles que convivem em meios extremamente nocivos de pressão estética, como atletas, bailarinas e modelos fashion.

Embora o transtorno dismórfico corporal seja uma patologia cerebral que não deve ser banalizada — pois não se trata de apenas achar que suas bochechas são grandes demais ou que um preenchimento de lábios te faria bem —, é preciso estar atento. Em tempos de realidade virtual e selfies computadorizadas, nossas relações com o espelho comum e com a nossa percepção de autoimagem estão cada vez mais ameaçadas.

Os rostos e os filtros do Instagram

Constituindo, primeiramente, um recurso divertido para os usuários fingirem usar acessórios ou mascararem-se com formas caricatas, os filtros das mídias sociais se aperfeiçoaram e hoje cumprem outra função. Ajustando-se de forma impecável ao rosto humano e imprimindo-lhe virtualmente características e traços que obedecem a padrões de beleza, os filtros têm sido estopim de distúrbios de autoestima e cirurgias plásticas em massa.

A realidade é que nós passamos a maior parte do nosso tempo no celular, navegando nas redes sociais — e predominantemente no Instagram. O nosso jornal diário de notícias virou o feed e nossa programação matinal é checar os stories que foram postados durante o período que estivemos offline. Tanto em um quanto em outro, as máscaras faciais se fazem presentes; toda a nossa rede utiliza os filtros digitais. Eles se tornaram tão comuns aos nossos olhos que, quando abrimos a câmera frontal e nos deparamos com nossos rostos “nus”, temos um momento de aversão e logo aplicamos algum filtro para amenizar o susto.

Pele lisa e esbranquiçada, nariz afinado, lábios turbinados e cílios saltados num clique. De graça e sem esforços, ficamos iguais às irmãs Kardashian, assim como a maioria dos nossos “mutuals” (isto é, pessoas que se acompanham de forma recíproca numa rede social). Mas e quando saímos da tela? Aliás, como vamos reconhecer pessoalmente alguém que costumamos ver apenas de forma computadorizada pelo celular? Nós estamos nos acostumando a ter uma visão irreal do que somos, de como aparentamos, e levando isso para o modo de enxergar as pessoas à nossa volta também.

Com o choque entre a imagem digital e a imagem da vida real, os usuários do Instagram começaram a recorrer a procedimentos estéticos diversos e cirurgias plásticas para atingir a aparência que o filtro do aplicativo lhes apresentou. “Há pacientes que tiram uma foto com filtro, trazem para o consultório e dizem que querem ter uma pele igual àquela. Mas aquela foto não é real”, declara a dermatologista Dra. Carla Vidal, em entrevista para o blog da Sallve.

O que acontece com a banalização desses filtros é a disseminação de mais um padrão de beleza inacessível, que, no fundo, lucra com a venda de cosméticos que prometem entregar ao usuário a pele ou os cílios do filtro, e ainda os convence de que o único caminho é se render à mesa de um cirurgião plástico. São fatos: Levi Jed Murphy, jovem inglês de 24 anos, gastou cerca de R$230 mil em cirurgias plásticas para ficar parecido com um filtro do Instagram que ele ama.

Pode parecer exagero discorrer sobre um recurso de aplicativo dessa maneira, mas, de fato, se não tomarmos a consciência do quanto nos rendemos às funções dos sites e apps que tanto acessamos, perguntando-nos como isso pode afetar nossa vida fora das telas, seremos dominados por um vício.

Questionarmo-nos a respeito desses temas não significa que vamos desativar o Instagram ou nunca mais utilizar um filtro na vida; quer dizer que devemos estar despertos para não nos entregarmos às artimanhas da era digital. Não é comum que nos assustemos com nossa própria imagem, não é aceitável que rejeitemos o modo como somos de verdade. Se queremos ter netos e netas, então sejamos francos e honestos com eles e conosco em cada poro, em cada espinha.

Fonte - Eu sem Fronteiras