O que se sabe até agora sobre incêndio que derrubou prédio no centro de SP


  • Criado por: Adriana Diniz
  • Postado em: 05/07/2019

São Paulo começou o 1º de Maio com as imagens de um prédio em chamas no coração da cidade. O edifício Wilton Paes de Almeida, de 24 andares, no Largo do Paissandu desabou após um incêndio que começou por volta de 1h30 da madrugada desta terça.

Ainda não há confirmação sobre número de mortos, mas uma pessoa está oficialmente desaparecida – um homem que estava sendo socorrido pelos bombeiros quando o prédio ruiu.

Por volta de 1h40, o Corpo de Bombeiros começou a divulgar informações no Twitter sobre os primeiros esforços para combater o fogo: "Incêndio em Apartamento, Largo do Paissandu, 100 - República. Em princípio não há vítimas. 20 viaturas no atendimento, 45 homens. Aguardamos mais informações do local".

Pouco depois, ficou claro que o cenário era dramático. Viviam no prédio, em ocupação irregular, cerca de 150 famílias, de acordo com o cadastramento feito pela Prefeitura em março. Como as ocupações de sem-teto têm população flutuante, não se sabe exatamente quantas pessoas estavam no local enquanto as chamas tomavam conta dos apartamentos.

Depois do incêndio, segundo os bombeiros, a contagem de pessoas que saíram do prédio resultou em um número de 118 famílias – ou 317 pessoas. As pessoas que estavam no cadastro e não na contagem após o incêndio, no entanto, não necessariamente estavam na estrutura durante a tragédia.

O edifício construído em 1966 estava abandonado havia 17 anos. No passado, foi sede da Polícia Federal e abrigou uma agência do INSS.

De lá para cá, foi ocupado irregularmente diversas vezes - atualmente, os moradores pagavam em torno de R$ 200 mensais por um cômodo em algum dos andares. A ocupação estava a cargo do Movimento Luta por Moradia Digna (LMD).

"Subiu para 24 o número de viaturas no combate ao incêndio, 57 homens. Muito fogo pelo local. Há 1 vítima pedindo socorro no último andar. Aguardamos mais informações do local", atualizou o Corpo de Bombeiros às 2h da madrugada.

Pouco depois, o prédio desabou, justamente quando os bombeiros tentavam resgatar um homem em uma operação lançada do prédio vizinho. Ele estava pendurado na lateral do prédio, agarrado à antiga estrutura de para-raios. Uma equipe de bombeiros chegou a lançar equipamentos para auxiliá-lo, mas os apoios se romperam quando o edifício desabou. Ele é a única pessoa considerada desaparecida oficialmente.

"Ele estava no 12º andar. Estávamos entrando pelo prédio do lado e chegamos a colocar o cabo de aço nele, mas o prédio ruiu e levou ele junto. Já achamos o cabo, mas ele não", disse o coronel do Corpo de Bombeiros Max Mena à BBC Brasil.

"Na hora que a gente estava terminando o resgate, o prédio caiu e seis ou sete andares caíram sobre ele. Faltaram 40 ou 60 segundos para a gente conseguir finalizar o processo", disse o sargento Diego, bombeiro que fazia o resgate.

Busca por vítimas

De acordo com os bombeiros, no total, 160 homens trabalharam no combate às chamas e 57 viaturas estiveram no local, além de um helicóptero. Equipes do Samu, da Defesa Civil, da Companhia de Engenharia de Tráfego e da Polícia Militar também trabalham na área.

Às 4h15, homens da Defesa Civil começaram a reunir os moradores para fazer um cadastramento prévio das famílias e identificar a melhor forma de oferecer ajuda e abrigo.

Por volta de 11h30, os bombeiros começaram a fazer buscas manualmente nos escombros, após conseguirem apagar os focos de incêndio. Para não causar desabamentos e preservar alguma possível vítima, retroescavadeiras só serão usadas após 48 horas.

"Não acreditamos que haja muitas pessoas embaixo, mas trabalhamos com a pior hipótese. Não acho provável (que haja gente nos escombros) porque já fizemos cadastramento e levantamento, e a maioria está aqui fora. Ainda tem muito material queimando lá embaixo. Devem durar de 7 a 10 dias os trabalhos aqui."

As chamas atingiram dois prédios vizinhos, e o desabamento destruiu parte de uma igreja luterana que fica ao lado do edifício. O templo, chamado Martin Luther, é uma das primeiras paróquias evangélicas luteranas da capital paulista, inaugurada em 1908.

O pastor Frederico Ludwig, de 61 anos, disse à BBC Brasil que 80% da igreja foi destruída. "Sobrou praticamente só o altar e a torre", afirmou. Segundo ele, o templo havia passado por uma reforma interna que custou R$ 1,3 milhão e se preparava para uma reforma da parte externa.

 

O prédio estava inclinado há pelo menos 20 anos. A gente chamou as autoridades várias vezes, e não deu em nada. Agora estamos assim, vamos recolher os escombros", disse.

"Não questionamos a invasão, mas sim as condições em que as pessoas viviam. Tinha esgoto a céu aberto. No verão era enxame de mosquito (aqui)."

Michel Temer hostilizado

Por volta de 10h desta terça, o presidente Michel Temer esteve no local do incêndio, mas foi hostilizado e se retirou rapidamente. Ele chegou a descer do carro, mas foi reconhecido e passou a ser alvo de xingamentos.

Objetos foram jogados contra o carro, enquanto pessoas o chamavam de "golpista" e "vampiro". Diante das hostilidades, Temer retornou ao veículo rapidamente e deixou o local.

Mais cedo, o governador de São Paulo, Márcio França (PSB), visitou a área afetada pelo fogo e conversou com a imprensa.

O prefeito Bruno Covas também foi ao local nesta manhã e disse que estava em tratativas com a União e com o Estado para ajudar a resolver o problema. Em uma coletiva de imprensa na tarde desta terça, ele afirmou que as famílias receberão R$ 1.200 reais para se manter nos dois primeiros meses e R$ 400 de auxílio-aluguel nos meses seguintes – o dinheiro será disponibilizado pelo governo do Estado.

Falta de elevadores teria criado 'chaminé' e agravado incêndio

De acordo com o porta-voz do Corpo de Bombeiros, Marcos Palumbo, a ausência de elevadores no prédio e a presença de muito lixo no local teriam agravado o incêndio, funcionando como combustível para o fogo.

"Ele tinha elevadores que foram substituídos (retirados). Então, esses dutos de ar que eles tinham no meio, pelo fosso do elevador, eles acabam formando uma chaminé. Você tinha muito material combustível: madeira, papel, papelão, algo que fez com que essa chama se propagasse com rapidez", disse Palumbo.

"E a própria estrutura do prédio, sem os elevadores, formando essa chaminé, fez com que causasse o incêndio de forma generalizada na edificação."

Lixo e ratos

Ana Cristina Macedo, de 43 anos, relatou que morou na ocupação até meados de 2017, com o marido. Ela deixou o prédio a pedido da irmã, por causa da situação precária e por morar num andar alto, "com muita escada".

Ana Cristina se mudou para outro edifício ocupado pelo mesmo movimento, na Bela Vista.

"As condições eram precárias. Faltava luz todo dia e tinha muito lixo e rato. Os moradores achavam que era seguro. Dizem que os bombeiros estiveram aí e avisaram ao porteiro que podia cair, e ele não contou para ninguém", afirmou à BBC Brasil.

'Tragédia podia ser ainda maior'

O governador Márcio França criticou as ocupações irregulares em São Paulo e afirmou que a "tragédia poderia ter sido ainda maior" se os bombeiros não tivessem agido rapidamente.

"Esse imóvel é da União. É uma estrutura muito leve, não permite ter residência. Nessas condições, é impossível viver. Eles vão jogando lixo no elevador e aquilo vai criando combustão. Em São Paulo, mais de 150 prédios são ocupados indevidamente", afirmou, em entrevista à TV Globo.

Para o governador, o incêndio demonstra os "riscos" das ocupações irregulares. "O que temos que fazer é convencer as pessoas a não morarem desse jeito. E as pessoas que estão achando que estão ajudando, resistindo e tentando possibilitar que permaneçam nos imóveis estão proporcionando uma tragédia como essa."

'Vamos ocupar outro local'

Mas o coordenador do movimento Luta por Moradia Digna, Ricardo Luciano, disse que o plano é ocupar outro edifício para acomodar as famílias desabrigadas com o desabamento.

"Vamos atender às famílias, ocupar outro local e remanejá-las para lá. Se o movimento tiver que ocupar outro lugar abandonado e sem função social, vai ocupar, porque, nos albergues, as pessoas ficam de lá para cá", afirmou à BBC Brasil.

Ele também rejeita as ofertas do governo de auxílio-moradia e aluguel social. "Não queremos auxílio-moradia. Não queremos ficar vivendo do dinheiro público. Quantas unidades habitacionais a Prefeitura tem para nos dar? As pessoas esperam 30, 40 anos por uma unidade da Cohab. Quando consegue, já está indo para um jazigo", criticou.

Ricardo Luciano também afirmou que o incêndio estaria relacionado a algo ocorrido num dos primeiros andares do prédio. "O que sabemos foi que o incêndio começou com uma briga de casal no quinto andar."

 

Com reportagem de Leandro Machado e Rafael Barifouse

Matéria extraída do site - http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43963449